A Miséria Moral dos Militares.
Muitas verdades e muita coerência.
Antigamente, minha mãe, mulher de olhos atentos ao mundo e de palavras tão simples quanto justas, chamava a vida militar de "miséria dourada".
Era uma expressão carregada de resignação, mas também de honra: sabíamos que ganhávamos pouco, mas carregávamos no peito a insígnia do dever, do serviço à Pátria, da nobreza de um ideal.
Ser militar não era apenas profissão, era destino.
E esse destino nos distinguia. Havia sacrifício, havia disciplina, mas havia também prestígio, respeito público, e sobretudo um orgulho silencioso, intrínseco, que nos fazia suportar privações com a altivez de quem serve a algo maior do que si mesmo.
Por diversas vezes, ao longo da história nacional, foi esse espírito de serviço que conduziu as Forças Armadas a desempenharem o papel de braço forte e mão amiga da Nação, sem hesitar diante dos momentos mais críticos.
Em tragédias naturais, em colapsos institucionais, em ameaças à ordem ou à soberania, coube ao militar, muitas vezes em silêncio e com recursos escassos, restituir a paz, socorrer o povo e reconstruir pontes — físicas e morais — que haviam ruído.
Esse protagonismo sereno, quase sempre ignorado pelos manuais da política, era a expressão máxima do pacto entre a farda e a sociedade: um compromisso não com partidos, mas com o povo brasileiro em suas horas de maior aflição.
*Hoje, contudo, o que resta dessa dignidade?*
As Forças Armadas atravessam um período sombrio de desprestígio inédito. Não porque tenham deixado de cumprir sua missão constitucional, mas porque permitiram que essa missão fosse associada, por conveniência ou omissão, a um governo marcados pela corrupção, pelo despreparo e pela impostura moral.
O povo, cansado de promessas e farsas, nos enxerga, não mais como reserva moral da Nação, mas como cúmplices silenciosos do desgoverno. E isso nos custa mais do que qualquer corte orçamentário: custa-nos a alma institucional.
O soldo, que nunca foi exuberante, tornou-se um insulto em comparação com os salários nababescos de outras esferas do funcionalismo público. Como aceitar que um ascensorista do Congresso Nacional — sem responsabilidades estratégicas, sem risco, sem formação técnica especializada — receba mais do que um piloto de caça operacional, treinado para missões de vida ou morte em aeronaves de primeira linha como o F-5 ou o Gripen?
Como justificar que um juiz de primeira instância comece sua carreira com vencimentos superiores aos de um coronel com trinta anos de serviço, responsável por dezenas de vidas e equipamentos de milhões de dólares?
A resposta não está apenas nos números: está no valor simbólico que a sociedade e o Estado atribuem a cada função. E é justamente aí que a degradação se torna mais evidente. Porque não se trata apenas de uma desproporção econômica, mas de uma inversão de valores.
Hoje, paga-se mais a quem representa privilégios do que a quem representa sacrifício. A hierarquia do mérito foi substituída pela lógica da conveniência, da burocracia e da política rasteira.
O militar, que deveria ser a expressão da virtude republicana, do dever e da abnegação, vê-se convertido em funcionário mal remunerado, exposto ao escárnio dos que jamais compreenderão o sentido da palavra serviço. Pior: vê-se confundido com os oportunistas de plantão que instrumentalizam a farda para projetos pessoais de poder.
Essa associação espúria tem sido devastadora. _E, no entanto, até o momento nenhum militar da ativa em função de liderança teve a coragem de nomeá-la, de enfrentá-la e de estancar a sangria moral que esvazia o espírito da tropa._
A exemplo do governo desgovernado, vejo as forças armadas empenhadas em tentar mudar sua imagem através de bem elaboradas campanhas de marketing.
Mas, não se reconstrói o prestígio das Forças Armadas com gritos de guerra, ou com bravatas em redes sociais.
Reconstrói-se com a restauração do mérito, com a justa remuneração, com o afastamento inequívoco de um regime espúrio, e, sobretudo, com a reafirmação de sua identidade histórica: a de defensora da Nação, da soberania e da ordem constitucional, não de governos transitórios.
A imprensa noticiou recentemente uma reunião entre o Presidente da República, o Ministro da Defesa e o Comandante da Aeronáutica, na qual se discutiu o alarmante nível de evasão de quadros técnicos altamente qualificados na Força Aérea Brasileira.
Segundo relatos da mídia, sempre prestativa em suavizar os contornos da realidade quando se trata de proteger o governo de esquerda, cogita-se a concessão de um aumento seletivo de soldo como medida para conter a debandada.
Fico a pensar no quanto se equivocam essas autoridades ao reduzirem a crise a uma simples questão pecuniária...
Compreendo o raciocínio do político — e até do ébrio — habituados a comprar consciências no varejo congressual. Mas no caso do Comandante da Aeronáutica, a perplexidade é maior: trata-se de um oficial aviador que, supostamente, deveria conhecer a alma de sua tropa.
Talvez a explicação resida em sua trajetória pouco afeita à dureza da atividade operacional e demasiadamente moldada pelos macios tapetes dos gabinetes.
E, nesse contexto, não é de surpreender que se ignore o essencial: que a verdadeira evasão não é apenas de salários, mas de espírito; não é de contracheques, mas de propósito.
Ninguém, em sã consciência, entra nas forças armadas pelo salário.
Hoje, a perspectiva moral de carreira para um oficial de elite, como os aviadores, ou mesmo para um técnico de altíssimo nível, como os graduados formados com rigor e excelência pela Escola de Especialistas da FAB, é sombria — para não dizer desesperançada. E não se trata apenas de estagnação salarial, mas de degradação simbólica.
Que horizonte pode vislumbrar um jovem que arrisca a vida diariamente, operando vetores de combate de primeira linha, quando vê a Força Aérea reduzida a mera prestadora de transporte a caravanas governamentais, em animados passeios pelo país e pelo mundo ?
Ou, pior, a redução do Exército Brasileiro à condição humilhante de capitão do mato do Supremo Tribunal Federal, prendendo, ilegalmente, mulheres, velhos e crianças?
Que dignidade resta quando se ouve um juiz — amparado pela toga e pela impunidade — chamar um general de mentiroso em público, sem que haja qualquer resposta institucional à altura?
E o que dizer da ignomínia ainda maior: _ver militares presos sem o devido processo legal, sem voz, sem defesa, enquanto seus comandantes silenciam como cúmplices ou se escondem atrás de notas evasivas?_
É nesse caldo de omissão, oportunismo e servilismo que se afoga o espírito de corpo, corroído não pelo inimigo externo, mas pela rendição interna ao poder de turno.
Se a "miséria dourada" de outrora era, ao menos, redimida pelo orgulho de servir, a miséria de hoje é agravada pela vergonhaj de ser confundido com o que há de pior na política nacional.
Aos militares de bem, digo que ainda há tempo de romper esse ciclo. É tempo de lembrar que o ouro da farda não está no metal de suas estrelas, mas no brilho moral de quem a veste com honra.
Flavio C. Kauffmann Piloto de Caça.





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