A ficção e o sonho

Nada como ter no Supremo um experiente juiz de Direito de carreira, que passou pelo mundo dramático e real da comarca de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, e tem o "notável saber jurídico" exigido pela Constituição e impossível de ser aferido na fraca sabatina do Senado. O ministro Luiz Fux, ex-presidente do Supremo, derrubou um a um, com poucas e claras palavras, os argumentos usados pelo relator Moraes para as medidas cautelares contra Bolsonaro. Em suma, demonstrou que não há provas para fundamentar as medidas impostas. Os três ministros - Cármen Lúcia, Zanin e Dino, que concordaram com os argumentos de Moraes, devem estar arrependidos de terem votado antes de Fux, porque ficou tão claro, que pegou mal para eles também. O país inteiro notou, até os que  não simpatizam com Bolsonaro. O voto de Fux foi publicado e explicado em todos os jornais, com foto do ministro divergente.

Até o editorial do jornal O Globo discordou dos argumentos de Moraes, que, tropeçando na língua portuguesa, aspergiu censura em todo mundo em malabarismo pescado por Fux no texto de Moraes: a cautelar é para evitar "possível prática de ilícito". Como somos todos passíveis de pecado e nossa natureza humana tem o potencial de prática de ilícito, somos todos passíveis de cautelares, como no filme Minority Report. Nessa ficção de Philip K. Dick, as pessoas são presas por pré-crime, tal como no inquérito do "golpe". Os que foram presos por causa da bagunça do 8 de janeiro estão, de fato, respondendo por um pré-crime, pois, se tivessem pensado em golpe, não teriam meios para realizá-lo. No caso de Bolsonaro e sua tornozeleira, pelo que ele vinha dizendo, nem pensou em fugir; ao contrário, sempre se pôs à disposição do Judiciário.


Por isso pegou mal a cautelar. Mais do que isso, soou como se fosse a reação ao anúncio de suspensão do visto do ministro Moraes. Ele soube na sexta-feira à noite, na edição especial de Oeste, com Ana Paula Henkel, e o dia seguinte já amanhecia com a Polícia Federal na casa de Bolsonaro, humilhando a ex-primeira-dama e o ex-presidente, com buscas e tornozeleira. Pensei muito na fábula O Lobo e o Cordeiro, quando o lobo fala com o jovem cordeiro sobre sujar a água que bebia: "Se não foi você, foi seu pai". Como Eduardo está fora do alcance, pega-se Jair. O ex-presidente do Supremo, ministro aposentado Marco Aurélio Mello, lembrou que o ex-presidente Lula foi para a primeira instância, em Curitiba, e perguntou por que Bolsonaro já fora direto para a instância derradeira, sem chance de passar pelo tribunal revisor em Porto Alegre, por recurso no Superior Tribunal de Justiça e, finalmente, chegar ao Supremo. "Uma extravagância", qualificou Marco Aurélio, "que desgasta o Supremo".


Fux, no primeiro discurso de presidente do Supremo, já advertia sobre o desgaste da Corte por se meter em política, em assuntos do Legislativo - que é o poder político. Mas o atual presidente do STF, ministro Barroso, adora a postura militante do "nós derrotamos o bolsonarismo". Ainda recentemente escreveu, em "carta" dirigida aos Estados Unidos, que "foi necessário um tribunal independente e atuante para evitar o colapso das instituições". A Constituição, no entanto, limita o Supremo a ser a guarda da Constituição. Criaram uma ficção para substituir a Lei Maior. Nessa ficção, competem com o Minority Report, O Processo e, quem sabe, sonham com 1984.


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