Quando a realidade ecoa as páginas de Orwell

Filipe Martins e Eduardo Bolsonaro se encontram com Marco Rubio em 27 de novembro de 2018. (Foto: Reprodução/Redes Sociais)

Uma sala onde palavras se tornam crimes antes de pronunciadas. Um Estado que, em nome da segurança, reescreve registros e silencia vozes. É o enredo de 1984, de George Orwell, mas também o pano de fundo do caso de Filipe Martins, ex-assessor para Assuntos Internacionais da Presidência da República. Ele está há mais de dois anos sob a mira do Supremo Tribunal Federal. Como advogada de Filipe Martins nos Estados Unidos, observo paralelos entre a ficção de Orwell e a realidade do caso que desafiam os limites do ordenamento jurídico brasileiro, especialmente no que tange aos direitos fundamentais.

Em '1984', o Ministério da Verdade manipulava documentos para alinhar o passado aos interesses do Partido. Winston Smith, o protagonista, questiona o que é  verdade , iniciando sua rebelião. No caso de Filipe Martins, em fevereiro de 2024, o STF, com a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, ordenou a prisão preventiva de Filipe Martins, com base em uma alegação de viagem aos Estados Unidos em 30 de dezembro de 2022. Isso foi apontado como indício de fuga... Na data da prisão, não existia registro oficial de entrada nos Estados Unidos. Depois da detenção, um registro retroativo foi inserido nos sistemas do Departamento de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos (CBP), contendo falhas graves: o nome de Filipe Martins grafado incorretamente, um número de passaporte cancelado antes da suposta viagem e um tipo de visto inexistente à época.


Na semana passada, o CBP confirmou oficialmente que o registro é falso e que Filipe Martins não entrou nos Estados Unidos em 30 de dezembro de 2022. Embora alguns tentem classificar o ocorrido como erro administrativo, é fato que listas de passageiros de voos, como o Advance Passenger Information System (APIS), não geram registros I-94, o documento oficial que comprova entrada legal em solo americano, emitido apenas mediante apresentação de passaporte e, em muitos casos, coleta de fotos e impressões digitais.

O  duplipensar  orwelliano, a capacidade de sustentar contradições, também ressoa no caso. Em julho de 2025, o tenente-coronel Mauro Cid afirmou que Filipe Martins não viajou aos Estados Unidos com a comitiva presidencial, nem participou da suposta reunião golpista no Palácio da Alvorada, em 7 de dezembro de 2022. O general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, corroborou: Filipe Martins não estava presente. Dados de operadoras como a TIM e registros de aplicativos como Uber o colocam em casa, com viagem comprovada para Curitiba em 31 de dezembro de 2022, num voo doméstico da Latam. Apesar disso, em abril de 2025, a Primeira Turma do STF tornou Filipe Martins réu por crimes como organização criminosa armada e tentativa de golpe. Medidas cautelares permanecem em vigor, como uso de tornozeleira eletrônica, proibição de sair da comarca, entrega de passaportes, suspensão de porte de armas, mesmo após a PGR recomendar sua soltura em março de 2024, sugestão ignorada até agosto.


A censura, pilar central de 1984, ressoa com ainda mais força. No romance, o Irmão Maior vigia tudo: Big Brother is watching you, apagando qualquer desvio da memória e dos registros. E Filipe tem sido calado sistematicamente e inapelavelmente. Desde agosto de 2024, em liberdade provisória, ele enfrenta restrições severas: está proibido de usar redes sociais, sob multa diária de R$ 20 mil; teve uma entrevista à Folha de S. Paulo vetada por Moraes, em agosto de 2024, sob alegação de risco de  tumulto ; e, em julho de 2025, o Poder360 foi censurado por solicitar entrevista. Durante a sessão de abril de 2025 que tornou Filipe réu, Moraes proibiu registros de sua imagem, limitando sua circulação a trajetos entre aeroporto, hotel e STF. Em outubro de 2025, Moraes destituiu seus advogados brasileiros, nomeando a Defensoria Pública da União, decisão contestada como violação ao contraditório.


Os paralelos com 1984 revelam tensões entre segurança estatal e garantias constitucionais, como liberdade de expressão e direito à ampla defesa. Sem foro privilegiado, Filipe Martins enfrenta um STF que acumula papéis de investigador, julgador e executor, desafiando os princípios do contraditório e da imparcialidade. A defesa busca absolvição e nulidade processual, com preliminares de suspeição de ministros ainda sob análise. Orwell alertava para um totalitarismo que fabrica verdades. Enquanto investigamos a fraude nos registros do CBP, o STF testa os limites do devido processo legal, e as páginas de 1984
permanecem abertas.

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