O jurista Modesto Carvalhosa disse que o perdão dado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) não é “recorrível ao Supremo Tribunal Federal”. “Este ato do presidente da República não pode ser objeto de revisão judicial”, declarou.
Em entrevista a Oeste, Carvalhosa afirmou que, em defesa do Estado Democrático de Direito, aponta irregularidades “venham de onde vier as ameaças” e ressaltou que não é bolsonarista. O ex-professor da USP também avaliou que a graça presidencial pode ser dada a alguém que está ameaçado de ser condenado, perseguido ou injustiçado.
“Não há necessidade nenhuma de a graça ser somente dada a alguém que já esteja condenado definitivamente, isto é uma bobagem”, afirmou o jurista.
Na quarta-feira 20, o Supremo condenou Daniel Silveira a 8 anos e 9 meses de prisão pelos crimes de tentativa de impedir o livre exercício dos Poderes e coação no curso do processo. A maioria dos ministros também votou pela perda do mandato e pela sua inelegibilidade.
Em relação à condenação do Supremo, Modesto Carvalhosa disse que “foi uma clara manifestação de vingança contra um acusado, tendo como julgador-relator aquele que é a própria vítima”. Leia abaixo os principais trechos da entrevista concedida na sexta-feira 22:
Como o senhor recebeu a decisão do Supremo Tribunal Federal de condenar o deputado Daniel Silveira?
O Supremo Tribunal Federal colocou tipificações inexistentes na esfera penal para poder levar a uma condenação que obrigasse a reclusão dele em regime fechado, ou seja, acumularam penalidades sem nenhum fundamento nas tipificações penais cabíveis no caso. Foi uma clara manifestação de vingança contra um acusado, tendo como julgador-relator aquele que é a própria vítima, quebrando, portanto, todas as regras do regime acusatório que prevalece no mundo desde o fim do século 18 quando se substituiu no regime penal o sistema inquisitorial, em que a própria vítima acusava e queimava na fogueira o acusado, para o regime acusatório em que cabe ao réu ampla defesa e ele nunca é julgado pela suposta vítima. O réu também jamais poderá ser condenado se não houver uma previsão claríssima da infração penal que ele cometeu.
O ministro Alexandre de Moraes também impôs uma multa ao advogado do deputado por “abuso do direito de recorrer”, mas essa prerrogativa não é uma premissa básica da democracia?
É um regime medieval, inquisitorial que foi instaurado no Supremo Tribunal Federal a ponto de impedir que o réu assista o seu próprio julgamento, não existe isto. Inúmeros atos de violência contra o Estado Democrático de Direito, contra o regime penal, contra as garantias individuais, contra a liberdade de opinião, contra a imunidade de representante do povo, eles simplesmente destroçaram todos os princípios civilizatórios que se podia imaginar, não sobra pedra sobre pedra. Eles fizeram um atentado contra o próprio Regime Democrático de Direito.
O presidente da Câmara entrou com uma ação no Supremo para que a Corte determine que cabe ao Congresso dar a última palavra sobre cassação de mandato. Como o senhor viu este movimento?
O Supremo Tribunal Federal não tem poderes para cassar nenhum representante do povo, que só pode ser cassado pelos demais representantes do povo. É mais uma extrapolação. Imagina se pega a moda? Vão cassar todo mundo. O Congresso Nacional é dirigido por covardes. O que pode haver é o Tribunal Superior Eleitoral determinar a perda do mandato por crime eleitoral, por abuso de poder econômico em uma eleição, se compraram votos, e outras tipificações, mas aí não é cassação, é perda de mandato por crime eleitoral, agora, o Supremo não tem absolutamente a prerrogativa de cassar. Ao entrar com a ação, o Lira pode estar ajudando a Corte a invadir competências que são do Poder Legislativo. Ele deveria dizer o seguinte: “Não pode o Supremo cassar”. Absolutamente inadmissível.
Há um entendimento de que, se o parlamentar é condenado a regime fechado por um prazo superior a 120 dias, a cassação é automática, pois ele é passível de perder o mandato se faltar às sessões por um período maior que este, o que acontecerá se estiver preso. Qual a avaliação do senhor desta leitura?
Este é um silogismo primário, deixe-se que o parlamentar não compareça, mas o Supremo não poder fazer o ato de cassação de alguém que foi eleito legitimamente. Uma coisa não tem nada a ver com a outra.
Como o senhor reagiu à decisão do presidente Jair Bolsonaro de conceder graça ao deputado Daniel Silveira?
Isto não é recorrível ao Supremo Tribunal Federal. Este ato do presidente da República não pode ser objeto de revisão judicial. Segunda coisa: a graça pode ser dada ao condenado ou a alguém que está ameaçado de ser condenado, de ser perseguido, de ser injustiçado, não há necessidade nenhuma de a graça ser somente dada a alguém que já esteja condenado definitivamente, isto é uma bobagem. Terceiro lugar: a graça ou o indulto é dado em caráter pessoal. Existe precedente na história recente de medidas parecidas com esta nos Estados Unidos, como a que o presidente Gerald Ford deu ao ex-presidente Richard Nixon para que ele não fosse processado, e a Suprema Corte de lá jamais contestou, ninguém nunca contextuou de fato. No caso deste Daniel Silveira, que é uma figura lamentável da política brasileira, ele foi claramente perseguido pelo Supremo Tribunal Federal, como ao fazerem uma montagem absurda de cumulação de pena desproporcional aos atos que ele praticou com o efeito de prendê-lo para vingar-se dele.
Existe uma avaliação de que a graça acaba com a pena de prisão e o pagamento de multas, mas a perda do mandato e a inelegibilidade continuariam valendo. O senhor compartilha deste entendimento?
Como é possível que os feitos da condenação não sejam abrangidos pela graça? Este é um raciocínio primário também, ou seja, se existe a graça, existe um indulto à pena e as suas sequelas, aqueles efeitos secundários. O perdão abrange a totalidade, a pessoa é indultada. E esta da cassação de mandato é o absurdo dos absurdos em si mesma.
Então Daniel Silveira poderá se candidatar a algum cargo em outubro?
Poderá, por que não?
Em relação à graça concedida pelo presidente Jair Bolsonaro, existe o temor de que este ato raro se torne mais recorrente, com o potencial de fragilizar as instituições?
Corre um risco muito maior de o Supremo Tribunal Federal continuar a fazer prisões políticas como já tem feito desde que o ministro Dias Toffoli instaurou aquele inquérito do fim do mundo, portanto, o grande perigo não é este de indutar indiscriminadamente, o grande perigo é o STF começar a cassar a torto e a direito deputados, senadores e vereadores, o que for.
Créditos Revista Oeste
O "notável saber jurídico" dos ministros do STF, atestado pelo Senado, jogado no lixo por renomados juristas.
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