Os nossos integrantes (que alguns insistem em chamar de ministros) tiveram um dia de policial militar, que prende o batedor de carteira e dois dias depois encontra o sujeito solto. Nossos ilustres membros (que outrora se comportavam como ministros) tiveram um dia de policial civil, que após longa investigação indicia o sujeito que praticou um delito, mas o vê sair pela porta da frente da delegacia. Nossos integrantes do STF (que para serem chamados de ministros precisam mudar e trabalhar muito) tiveram o seu dia de promotores e procuradores de Justiça, ou magistrados de instâncias inferiores, que denunciam e condenam, mas veem todo o esforço, todo o trabalho ir pelo ralo porque, no entendimento das Cortes de Brasília, aquele que deveria ser privado da liberdade acaba solto pelas turmas que vivem em uma espécie de bolha, uma Disneylândia chamada Brasília. Aos dez que votaram pela condenação de Daniel Silveira, eu digo: bem-feito.
Daniel Silveira não cometeu crime. E mesmo que houvesse, não teve a chance de prestar depoimento a um delegado ou responder a um inquérito policial. Não teve a oportunidade de fazer com que seu advogado respondesse a uma denúncia feita pelo Ministério Público Federal, por exemplo, e muito menos a chance de recorrer, no caso de uma condenação, a instâncias superiores, para tentar reverter a pena. "Mas ele é deputado, logo, tem foro privilegiado e deve ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal". Exatamente! Mas, então, vamos lembrar a lição completa. Ele é deputado e, portanto, tem a chamada imunidade parlamentar, que confere a ele (nós, na Constituição, delegamos isso aos nossos representantes eleitos) a possibilidade de dizer o que bem entender, mesmo que seja a maior das sandices. Mesmo deputados e senadores, detentores do chamado foro privilegiado, são alvos de processos investigatórios conduzidos por polícia federal ou Ministério Público Federal, e não por uma excrescência produzida pelo STF, um arroubo de autossuficiência em que ele mesmo investiga, denuncia, julga e condena.
Mas não se engane. Policiais militares e civis, integrantes do MP e os bons juízes certamente riram da situação. E alguns, talvez, tenham se sentido "vingados". Tal qual um drible magistral produzido por Garrincha ou Pelé, o presidente Jair Bolsonaro entortou nossos "supremos" e usou, na argumentação do decreto, a jurisprudência criada e citada pelo seu principal expoente hoje: Alexandre de Moraes. Não sei se Moraes já voltou a dormir. Tenho minhas dúvidas.
O que vimos nesta semana foi um Supremo Tribunal Federal no auge do que se convencionou chamar de "punitivismo" e que certamente muita gente adoraria ver em inúmeras outras situações no passado, mas ficava só na vontade. O que o STF mostrou é que pode, sim, ser punitivista. Mas apenas quando quer. E quando ele quis? Quando o alvo era ele, quando se tratava de ação do interesse dele, ou seja, quando olhou para o próprio umbigo. Algo que não vimos em decisões asquerosas, repletas de argumentos garantistas, como nos famosos casos de Roger Abdelmassih, do criminoso André do Rap, ou quando foram anuladas as condenações em primeira, segunda e terceira instâncias do ex-presidiário Lula, para citar casos recentes.
Sobre o decreto presidencial fomos alertados por gente que utiliza aquela viseira, muito usada em quadrúpedes que puxam veículos de tração animal: "É perigoso o recado que Bolsonaro está emitindo". Ah, é? E os recados abusivos do STF? Então, para quem não entendeu, eu traduzo: Bolsonaro está dizendo que este ainda é um país livre, com garantias individuais mínimas, e que por mais absurdas que podem ser as frases que venham a sair da boca de um deputado, ele ainda está dentro do seu direito, protegido pela imunidade parlamentar.
Se você quer ficar preocupado com algo, volte suas atenções para as decisões dos "supremos". Quer ficar "espantado"? Quer ficar "estupefato"? Então mude o foco do ataque de pelancas e entenda de uma vez por todas que quem cruzou a linha, quem saiu do seu quadrado de atuação nos últimos anos foi aquilo que um dia, em idos tempos, com outra composição, de gente que orgulhosamente chamávamos de ministros, a nossa Suprema Corte, e não esse arremedo, esse amontoado que resolveu chutar a lei e fazer política, da pior maneira possível.
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