“Cínico! É capaz de tudo para ser presidente, mas vou desmentí-lo”
Da prisão calabresa de Corigliano Rossano, pouco antes de iniciar uma segunda greve de fome desde que está detido, o ex-terrorista Cesare Battisti mandou uma carta à mão: “Há muita coisa para esclarecer, outras a desmentir. Inclusive algumas declarações falsas do Lula“.
Era abril de 2021 e o preso do sistema carcerário italiano que por mais tempo driblou o Judiciário do país concordava em se corresponder para falar sobre o final de sua longa epopeia, encerrada naquela ocasião havia mais de dois anos devido à mudança de vento no Brasil, antes com Michel Temer, depois com Jair Bolsonaro.
O Brasil foi sua casa por 14 anos graças principalmente ao empenho de Lula e do PT, que compraram uma briga internacional para dar abrigo ao ex-integrante de um grupo terrorista de esquerda condenado por quatro homicídios ocorridos no chamado anos de chumbo da Itália, entre o final dos anos 60 e o início dos 80 do século passado.
Battisti reconhece que o partido e seu líder-maior fizeram muito por ele, mas se sente descartado. Seu incômodo e a disposição para falar a respeito surgiram após o pedido de desculpas do ex-presidente em rede nacional na Itália, no ano passado, quando reconheceu o erro de tê-lo mantido no Brasil.
“Todos sabemos que Lula é capaz de tudo para colocar de novo a faixa de presidente. O animal político que nunca se contradiz. Aconteceu também comigo de admirar seu cinismo político (no sentido vulgar do termo) e o extraordinário jogo de cintura”, disse.
Lula o abrigou no seu último dia no Palácio do Planalto, em dezembro de 2010, argumentando que, caso voltasse ao seu país, poderia sofrer perseguição por “opinião política”.
O ministro do STF Luís Roberto Barroso foi seu advogado no processo de extradição na corte encerrado em 2010, antes ainda de virar ele próprio um integrante do Supremo.
Bolsonaro, por sua vez, prometeu na campanha eleitoral de 2018 a sua extradição, o que levou o italiano a fugir para Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, onde foi detido e mandado de volta para casa.
Ao falar de Lula, Battisti estava contrariado com a entrevista do ex-presidente a um telejornal da RAI, a TV pública italiana, que muito repercutiu.
Naquele abril de 2021, o ex-presidente voltava definitivamente à cena —nacional e internacional— após o STF anular sua condenação e torná-lo novamente elegível.
O brasileiro disse que “acreditava que Battisti era inocente e não era”, referindo-se à admissão de culpa do italiano (em 2019) em quatro homicídios. “Desde o momento que ele confessou, é óbvio que devo admitir que errei”, afirmou Lula.
Em dois homicídios, ele foi condenado como autor dos disparos: o do agente penitenciário Antonio Santoro, em junho de 1978, e do motorista de uma divisão da polícia de combate ao terrorismo, Andrea Campagna, em abril de 1979. Na execução do açougueiro Lino Sabbadin, foi condenado por dar cobertura; na do joalheiro Pierluigi Torregiani, como coidealizador.
Ele pediu desculpas aos familiares das vítimas e reconheceu que a luta armada na Itália foi um movimento “desastroso” que quebrou a revolução cultural dos jovens de 1968.
E ressaltou que nas execuções de Torregiani e Sabadin foi apontado por colegas como “decisivo apoiador” por estar à época fora da Itália, uma forma de os ex-membros do PAC aliviarem a responsabilidade de quem estava preso. Nas cartas, disse não ter responsabilidade pelos crimes —apesar de ter assumido responsabilidade na admissão perante o Ministério Público.
Battisti atribui a atitude de Lula, assim como o abandono de antigos aliados à esquerda após assumir os crimes, ao clima de “campanha política” e à necessidade de fazer acenos à direita. Ele diz que Dilma Rousseff fez o mesmo durante o processo de impeachment, embora inexista registro de que isso tenha ocorrido.
“Aconselharam Lula a fazer isso se quisesse recuperar parte dos setores que votaram em Bolsonaro, ele não hesitou. Mesmo que para isso tivesse que mentir despudoradamente, dizendo que ele e Tarso Genro [ex-ministro da Justiça do governo Lula] não sabiam de nada”, disse.
“Fui recebido não porque fosse declarado inocente, mas exatamente para deixar ser exibido como troféu de guerrilheiro às forças de esquerda do Brasil. Para eles, não interessava um inocente perseguido, mas o combatente da liberdade. Lula e seu partido me apoiaram por isso. De toda forma, não se dá refúgio apenas aos inocentes.”
O ex-presidente Lula, por meio da assessoria, reafirmou o dito na entrevista: a partir da confissão dos crimes, o entendimento sobre seu refúgio passa a ser outro.
Battisti culpou a “guinada desonesta” da esquerda como um dos fatores para a vitória de Bolsonaro. As informações são da Folha de São Paulo.
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