Ditadura contratada

O Brasil já teve todo o tipo de eleições para presidente da República ao longo de sua história; teve também todo tipo de candidatos, alguns deles espetacularmente ruins. Mas nunca teve como agora um candidato, e um lado das forças políticas, prometendo abertamente impor uma ditadura neste país. Lula anuncia, da maneira mais clara possível, que vai implantar a censura nos meios de comunicação — o que ele chama de “controle social da mídia”, um instrumento que tem como finalidade única impedir que sejam publicadas quaisquer notícias ou opiniões que o governo e o PT não aprovarem. É um clássico de todas as tiranias — e algo que não existe em nenhuma democracia. Ele mostra, desde já, como vai utilizar esse controle. Proibiu, via seus agentes no TSE, a publicação de imagens das imensas manifestações populares do Dia Sete de Setembro, quando mais de 1 milhão de brasileiros foram para as ruas em apoio ao seu único adversário real na eleição. Proibiu que fossem exibidas fotos ou vídeos de sua visita a Londres para participar dos funerais da Rainha Elizabeth II. Proibiu que a mulher do presidente apareça na sua campanha eleitoral na televisão. Proibiu que seja divulgada uma frase que ele mesmo, Lula, disse: “O agronegócio é fascista”. Proibiu tudo isso, mais um monte de coisas, e nem está ainda no governo. Imagine-se o que vai fazer se chegar lá. É uma ditadura que já está contratada.

Não se está falando aqui daquelas velhas ditaduras bananeiras com generais de óculos escuros e peito coberto de medalhas. Também não é uma ditadura comunista, ou “socialista”, como se diz hoje — porque isso não se faz mais, simplesmente, e sobretudo porque os ricos só vão ficar mais ricos ainda com Lula, e a pobrada só vai continuar tendo contato com a vida deles para servir na equipe de segurança ou como motoboy do delivery de pizza. Ninguém vai fechar Congresso nenhum, é obvio — para quê? Câmara e Senado vão estar numa briga de foice para ver quem se ajoelha mais depressa diante do presidente. Mais óbvio ainda: o Supremo Tribunal Federal ficará exatamente como está, com as suas lagostas, as suas áreas exclusivas de embarque, os seus Barrosos e os seus Moraes e etc. etc. Vai ser, na verdade, o principal ponto de apoio à ditadura, como Lula vai ser o principal garantidor da sobrevivência deste STF que está aí. Se os ministros já estão rasgando a Constituição agora, todos os dias, para levar Lula ao governo, por que raios iriam criar problema com ele? Não é, em suma, nenhum desses tipos de ditadura. É apenas ditadura.

O que Lula está fazendo agora, aos olhos de todo o mundo, é a prova mais evidente daquilo que de fato ele quer para o Brasil. O candidato do PT, da “esquerda” e dos milionários fixados na ideia de continuar enriquecendo às custas do erário público transformou STF, TSE e a maior parte das alturas do poder judiciário numa espécie de porta giratória. Usa os tribunais superiores como o seu escritório de advocacia, para mantê-lo do lado de fora da cadeia, ou como seu Congresso particular, para a aprovação de tudo o que quer — e, no movimento inverso, é usado pelos ministros para fazer o que eles, ministros, desejam que seja feito. Há alguma dúvida de como essas relações vão ser num governo de Lula? Alguém acha que ele estará sujeito a qualquer controle da justiça? Se já é assim hoje, como será amanhã, então — principalmente quando se considera que Lula, caso eleito, vai nomear os próximos membros do Supremo e uma penca de ministros dos outros galhos mais altos do poder judiciário? Não pode haver comprovação mais clara de uma ditadura: um presidente que não tenha de prestar contas à justiça.

Na vigência do Ato Institucional N° 5, as decisões do regime militar não podiam ser submetidas à apreciação judicial. É exatamente o que acontece hoje com Lula, na prática. Nada do que ele faz pode ser submetido à apreciação de juiz nenhum — e, se for, não vai fazer diferença nenhuma, porque lá em cima eles resolvem. Lula já ganhou do STF, para se ficar apenas no exemplo mais demente desta parceria, a anulação das quatro ações penais que existiam contra ele, inclusive a sua condenação à cadeia pelos crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro. Por que seria diferente se ele for para a Presidência? Haverá algum acesso de imparcialidade, de repente, por parte dos atuais sócios?

Tão destrutivo para a democracia quanto este incesto entre os poderes Executivo e Judiciário é o ataque sem descanso, e cada vez mais raivoso, que Lula, o PT e o seu entorno fazem contra a liberdade de expressão. Há um jornalista de “direita” no exílio, e outro que já foi preso, por conta do ministro Alexandre Moraes — um dos mais agressivos militantes da nova ditadura de “esquerda”. Já usam, há muito tempo, os seus parceiros no YouTube, Twitter, Facebook e demais gigantes americanos que controlam a comunicação pelas redes sociais para perseguir adversários e censurar opiniões que desaprovam. Em parceria com a mesma justiça descrita acima, caçam a palavra dos que têm opinião política diferente — e “desmonetizam” suas vítimas bloqueando a remuneração que deveriam receber pelo trabalho que fazem nas redes, numa das mais odiosas formas de opressão já postas em execução pela militância lulista. Pressionam as empresas privadas para que não anunciem em veículos de imprensa da sua “lista negra”.

Estão, neste momento, fazendo tudo o que têm de pior para calar o mais importante programa jornalístico independente da rádio brasileira — “Os Pingos nos Is”, da Jovem Pan. (Leia a matéria “Pandemia de intolerância” desta edição.) Exigem algo que absolutamente não existe em relação a nenhum outro órgão de comunicação no Brasil, ou no mundo democrático: que a emissora faça um “contraponto” ideológico ao programa, que expõe duramente os desastres em série cometidos por Lula, pelo STF e pelo resto do consórcio que se movimenta ao seu redor. Isso já é feito pela rádio, em larga escala, ao longo de sua grade de programação — mas não é suficiente. Não admitem nem uma voz discordante, a do Pingos nos Is; querem silêncio total, e nem dispõem ainda do seu “controle social sobre os meios de comunicação”. Contam, nisso tudo, com o apoio militante dos jornalistas e dos proprietários dos veículos da mídia — e como poderia ser diferente, num país em que a “Associação Brasileira de Imprensa”, a ABI, coloca o seguinte lema em seu perfil no Twitter: “Fora Bolsonaro”? Dá para ver por aí, perfeitamente, como esse controle seria exercido na vida real de um governo do PT. É a repetição do que fazia a “ditadura militar de 64” que Lula e o PT tanto condenam. Qual a diferença entre uma coisa e outra, em termos de repressão à imprensa livre?

A ditadura anunciada de Lula não se limita à extinção do alto poder judiciário como entidade independente e nem a eliminação da liberdade de imprensa. Tão ruim quanto isso, mas sob o disfarce hipócrita de intenções piedosas, é o seu culto cada vez mais fanático ao “Estado” — exatamente como se faz no fascismo mais puro. Nada de “Carta aos Brasileiros”, desta vez, nem da fantasia do “Lula liberal” com que ele se pintava em outros tempos. Agora é “todo o poder ao Estado”, com o apoio pleno de um STF que vai fazer tudo o que for preciso para Lula e o PT governarem para sempre — como foi feito na Venezuela, o novo modelo de virtude para a esquerda brasileira, onde também não houve nenhuma necessidade de fechar Supremo ou Congresso para montarem uma ditadura. Lula já disse que a Covid, com os 650 mil mortos que causou, foi “uma benção” — mostrou como “o Estado é importante” e, sobretudo, o quanto as pessoas devem obedecer a ele. Agora só fala em anular todas as conquistas que o cidadão brasileiro teve diante da máquina estatal — da reforma da previdência à extinção do imposto sindical, das privatizações à independência do Banco Central.


Tipicamente, declarou não ter a menor ideia do que um governo deve fazer para oferecer aquilo que a população precisa mais do que tudo: oportunidades de trabalho que possam lhe permitir uma vida melhor. “Como criar empregos para o povo” numa era de tecnologia?, perguntou Lula. Ele mesmo deu a resposta: “Eu não sei como fazer isso”, disse em público, dias atrás. E que diabo o povo brasileiro importa a ele, ou ao PT, ou aos empresários socialistas? Lula sabe perfeitamente bem o que quer, em matéria de trabalho — promete, com todas as letras, socar em cima do pagador de impostos novos cabides de emprego para a companheirada do PT, os amigos do governo e os amigos dos amigos. A cada dia que passa ele anuncia que vai fazer mais um ministério. Ministério do Desenvolvimento Agrário, para o MST. Ministério das Pequenas Empresas. Ministério do Índio, ou dos “Povos Originários”, que representam 0,4% da população nacional — e com um índio de ministro. Ministério da Igualdade Racial. Ministério da Pesca, de novo, e Ministério da Cultura, também de novo. Ministério da Segurança Pública, talvez Ministério do Planejamento e por aí se vai.


É o encontro da fome com a vontade de comer: em seu programa de governo, Lula cria ministérios novos e reabre ministérios dos quais o povo tinha se livrado. Não resolve um único problema real do Brasil. É apenas o Estado cada vez maior, mais obeso e mais caro — tudo, exatamente, o que a população não precisa. É, ao mesmo tempo, um sintoma infalível de paixão oculta pela ditadura. Cada vez que o Estado avança, a liberdade diminui — nunca foi diferente em toda a história da humanidade. Não se trata, em nada disso, de equívoco por parte de Lula; não há equívoco nenhum. Também não é o resultado da costumeira soma da sua incompetência com a sua ignorância. O que ele quer, em tudo o que anuncia, é tirar proveito material próprio — e criar uma ditadura à sua imagem e ao seu estilo. Lula faz questão de dizer, o tempo todo, que gosta de Cuba, da Venezuela e da Nicarágua; são os seus modelos de país. Por que, então, seria a favor das liberdades públicas e dos direitos individuais no Brasil? Vai contar, em tudo o que fizer, com todo o apoio internacional, das classes intelectuais e da mídia. Vai contar com a anulação do seu passado penal como ladrão. Vai contar com o apoio do Papa, dos banqueiros de esquerda e do ator Leonardo DiCaprio. É, como dito acima, um contrato assinado para transformar o Brasil numa ditadura — e por muito, muito tempo.

J.R. Guzzo é jornalista. Integrante do Conselho Editorial de Oeste, foi um dos criadores da Veja, revista que dirigiu durante quinze anos, a partir de 1976, período em que sua circulação passou de 175.000 para 1 milhão de exemplares semanais. Correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Responsável pela criação da revista Exame, atualmente escreve no Estado de S. Paulo e na Gazeta do Povo.


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