Ministério da Igualdade Racial, de Anielle Franco, gastou metade das verbas de 2023 com viagens
Levantamento aponta que R$ 6,1 milhões foram destinados a diárias e passagens. Ex-assessora que atacou paulistas e descendentes de europeus fez uma viagem a cada 12 dias; pasta diz que estão previstos mais investimentos para a população.
O Ministério da Igualdade Racial, comandado pela ministra Anielle Franco, comprometeu quase metade da verba de uso livre em 2023 com viagens de assessores e dirigentes. Até agora, a pasta empenhou – isto é, reservou para pagamentos – cerca de R$ 12,5 milhões em 2023. Deste total, R$ 6,1 milhões são destinados a pagar passagens aéreas e diárias dos servidores.
A conta diz respeito a verbas discricionárias, de uso livre, e não inclui emendas parlamentares executadas pela pasta e nem gastos com servidores. Os dados foram levantados pelo Estadão usando o sistema Siga Brasil, do Senado Federal.
Em resposta à reportagem, o Ministério disse apenas que mais investimentos em políticas públicas estão “programados”, embora ainda não tenham sido concretizados.
Anielle Franco criou polêmica ao usar um voo da Força Aérea Brasileira (FAB) para ir de Brasília a São Paulo (SP) neste domingo (24), onde assistiu à final da Copa do Brasil no Estádio do Morumbi. Flamenguista, a ministra viu de camarote seu time perder o título para o São Paulo após um empate em 1 a 1.
Na ocasião, Anielle também assinou um “protocolo de intenções” de combate ao racismo nos Esportes – o ato público foi feito em parceria com os colegas André Fufuca (Esportes) e Sílvio Almeida (Direitos Humanos). Este último usou um voo comercial para ir à capital paulista. Já Fufuca usou o voo da FAB, como Anielle.
Dos R$ 6,1 milhões reservados pela Igualdade Racial para gastos com viagens, menos de um terço (R$ 1,78 milhão) é direcionado a viagens para fora do Brasil. O restante é para uso dentro do país.
Nesta terça-feira (26), o episódio da viagem a São Paulo resultou na demissão de uma das assessoras que estavam com Anielle Franco no Morumbi. Chefe da Assessoria Especial da pasta, Marcelle Decothé fez postagens com ofensas de cunho racial em seu perfil no Instagram. “Torcida branca, que não canta, descendente de europeu safade… Pior tudo de pauliste”, escreveu ela.
Desde que foi nomeada para o cargo, Decothé fez 19 viagens a serviço, segundo o Portal da Transparência, ou um deslocamento a cada 12 dias, em média. Três delas para o exterior: Colômbia, Estados Unidos, Portugal e Espanha.
Enquanto esteve no cargo, a assessora, que era considerada uma das mais próximas de Anielle Franco, gastou R$ 130,5 mil com diárias e passagens das viagens, de acordo com o Portal da Transparência.
Igualdade Racial sem dinheiro para políticas públicas
Formalmente, o Ministério da Igualdade Racial tem dotação orçamentária de R$ 109,9 milhões para 2023, mas só R$ 20,8 milhões foram empenhados até agora.
O valor pode até parecer grande, mas é ínfimo para os padrões da Esplanada dos Ministérios. Representa, por exemplo, 0,05% do orçamento do Ministério da Saúde para 2023 (cerca de R$ 189,4 bilhões).
As restrições orçamentárias significam que a Igualdade Racial praticamente não empenhou recursos próprios para qualquer política: todos os gastos foram direcionados ao dia-a-dia do aparato do ministério. Compra de computadores, manutenção da sede e contratação de serviços terceirizados foram os principais gastos.
A pasta, no entanto, empenhou R$ 8 milhões de emendas parlamentares individuais. A maior parte (R$ 6,5 milhões) foi destinada pela deputada Dayane Pimentel (União Brasil-BA). Ex-apoiadora do presidente Jair Bolsonaro, ela rompeu com o ex-presidente.
As emendas de Dayane Pimentel foram direcionadas a cursinhos pré-vestibular e de capacitação de jovens em municípios do interior da Bahia. A deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ) também empenhou pouco mais de R$ 1 milhão em emendas por meio do ministério, destinadas a iniciativas culturais no Rio de Janeiro.
Viagem de urgência de Anielle a Nova York custou R$ 63 mil
Anielle Franco raramente usa voos da FAB. Esta foi apenas a segunda vez que ela usou o serviço desde o início do governo. Mas a ministra viaja bastante: o Portal da Transparência registra 27 deslocamentos desde o começo do ano, ao custo de R$ 184,5 mil.
A viagem mais cara de Anielle foi para Nova York e Washington, nos EUA, de 28 de maio a 01 de junho. Segundo o portal da Transparência, a viagem custou ao todo R$ 63,6 mil. Um único trecho de São Paulo a Nova York saiu por R$ 23,8 mil. O evento foi a reunião do Fórum Permanente sobre Afrodescentes da ONU, segundo justificativa do ministério, e a viagem foi classificada como “urgente” – ainda que a programação do evento estivesse disponível no site da ONU desde o dia 19 de abril.
Ao justificar a urgência, a pasta escreveu que “não foi possível atender o prazo para solicitação da viagem, visto que a deliberação da agenda da sra. ministra estavam (sic) em tratativas para um aproveitamento melhor da viagem para um aproveitamento melhor da viagem para articulações das demais agendas a ocorrer na mesma missão”.
A princípio, não há qualquer irregularidade nestes deslocamentos ou nos pagamentos. Viagens a trabalho são parte do dia-a-dia dos ocupantes de cargos de chefia na burocracia brasileira.
O que diz o Ministério da Igualdade Racial
Procurado pelo Estadão, o Ministério da Igualdade Racial (MIR) disse que “há um descompasso” entre os gastos planejados em políticas públicas e aqueles com viagens. A pasta diz ter R$ 35 milhões “programados” para suas ações, a serem executados em breve.
“Em todas as pastas do governo federal há um descompasso entre os dados orçamentários, pois existe um caminho até que ela seja empenhada e executada. As diárias e passagens tendem a ser as visíveis pois têm execução direta, sendo fundamentais para o desenho e implantação dos programas”, disse o MIR.
“Na presente data, 100% da Ação Orçamentária destinada para a implementação das políticas do MIR estão programadas, representando o valor de R$35.347.175,04″, diz a nota. “Na medida em que a formalização dos instrumentos de execução orçamentária avançam, os valores passam a ser empenhados e executados, sendo a partir daí inseridos no Portal da Transparência”.
O MIR publicou também nota pública sobre as postagens e a exoneração de Marcelle Decothé. “As manifestações públicas da servidora em suas redes estão em evidente desacordo com as políticas e objetivos do Ministério da Igualdade Racial”, disse órgão, em nota.
“O Ministério da Igualdade Racial reafirma seu compromisso inegociável com a promoção de direitos e com a igualdade étnico-racial, a partir de princípios como a transparência e o cuidado”, diz outro trecho.
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